sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Nota sobre o cômodo

Em 2012 coube tanta coisa, e todo o 2012 coube dentro do coração. E ainda sobrou lugar. Sobrou porque dei a você. Dei a você um cômodo inteiro, mais sala, cozinha e ainda dividi uma gaveta do meu armário. Se quisesse você ficaria até com o quarto. Dei, sem pensar, porque a sua estadia era eu quem queria pagar. Eu pagava e você ficava, eu é que me cobrava. Mas você se cansou de morar cá dentro, deve ser porque te dei espaço logo de cara. Mas eu também fui tola, abri a porta e lhe dei as chaves de casa. Fui tola. Devia era ter de dado o quartinho empoeirado. Não, devia era ter dado só um colchão pra tu dormir no sotão. Lá, onde fica tudo que é esquecido. Quem sabe assim você não sentia falta dos ares da casa, das janelas, do sol comprido entrando pelo vidro. Quem sabe assim você não armava sua rede no quintal, pra ver as manhãs, comigo. Aliás, nem devia era ter te convidado pra morar aqui. Esqueci que a porta só fechava por dentro. Então você foi. Mas se eu pudesse te prendia lá. Você não quis mais morar no barulho do músculo, no afago e palpitação ora lenta e acelerada que a tua presença na casa despertava. Meu coração parou de bater porque você bateu foi suas asas. Voou. Quis morar noutros cantos, e levou a chave. Mas espero que o verão passe e que você também passe. Passe feito nuvem, chuva, tempestade. Porque se voltar um dia, saiba que troquei a fechadura e que a porta agora é uma grade.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Desculpas

Desculpe pela promessa que fiz em 2011, dizendo que 2012 seria um ano melhor.

Desculpe ter que fazer essa mesma promessa para 2013.

Desculpe ter feito promessas.

Desculpe ter esquecido compromissos.

Desculpe pelo abraço que não dei.

Desculpe pelo beijo que recusei. 

Desculpe não ter amado mais.

Desculpe ter dito mais não do que sim. 

Desculpe por todos as noites que dormi tarde e perdi o pôr do sol. 

Desculpe, porém, por não ter perdido mais tempo sonhando.  

Desculpe por todas as chuvas que não me molhei.

Desculpe, aliás, por todos os guarda-chuvas que não compartilhei.

Desculpe por, às vezes, não ter ido pelo caminho mais longo.

Desculpe por ter me atrasado. 

Desculpe por todas as ocasiões em que segurei o choro, por vergonha.

Desculpe não sorrir o quanto deveria. 

Desculpe por rir daquilo que não convinha. 

Desculpe não ter escrito mais textos, mais poemas.

Desculpe, mas escrever é difícil.

Desculpe por não ter lido mais livros.

Desculpe não ter ido em mais shows, ou não. 

Desculpe ter visto filmes demais.

Desculpe ter ido ao cinema só pela companhia, quando bem poderia ir sozinha.

Desculpe gostar de Woody Allen.

Desculpe não ter conhecido novos músicos e novas músicas o suficiente.  

Desculpe preferir Chico a Caetano.

Desculpe eu não entender de arte, de klimt.

Desculpe conhecer Frida Kahlo só por causa do filme.

Desculpe eu não ser popular, nem cult.

Desculpe não ser como você, sou classe C.

Desculpe assistir TV, e gostar.

Desculpe não responder no chat do Facebook.

Desculpe passar tempo demais conectada na internet.

Desculpe passar tempo de menos ao telefone.

Desculter ter celular só para ver as horas.

Desculpe não ter viajado mais, é porque eu não tinha dinheiro mesmo.

Desculpe ter que precisar de dinheiro.

Desculpe ter 22 anos. 

Desculpe ter milhões de coisas para me desculpar.

Desculpe estar com preguiça.

Desculpe parar por aqui.

Desculpe as desculpas. 

Desculpe a repetição.

Desculpe, enfim.



domingo, 11 de novembro de 2012

Uma caixa

É uma caixa de presente. É rosa, tem um laço de um tecido que eu não sei o nome e possui uma textura que também não sei explicar, mas é bonita. 

A caixa não embrulhou, ela foi o próprio presente. Estávamos no carro, em frente a igreja, quando minha mãe virou-se do banco do passageiro e me deu a coisa rosa. Minto! Veio com uma nota amassada de R$ 5 dentro. Nossa! Fiquei tão mais feliz de ter encontrado o dinheiro do que qualquer outra coisa. 

Não lembro a idade que tinha, talvez oito anos, ou nove, ou dez. Não me recordo do porquê recebi a caixa, mas desde então esse pedaço de papelão foi o lugar onde guardei tudo o que eu queria esconder e tudo o que não queria esquecer.

Tem mil e um trecos, objetos inúteis, medalhas de ouro, prata e bronze das competições de basquete, diários, figurinhas, fotos de excursões da escola, cartinha de amigas, recadinhos do correio elegante, e até carta de amor que não foi pra mim - guardo nessa caixa uma pequena história de paixonite adolescente da época. Vira e mexe a vasculho, pra sentir nos dedos o sabor daqueles anos. 

Isso me lembrou uma das cenas do filme "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", em que o personagem, restituído da caixa que guardava objetos enquanto menino, diz: "A vida é engraçada. Para a criança, o tempo não passa, e de repente temos 50 anos. E o que nos sobra da infância cabe em uma pequena caixa enferrujada". 

E... O que me sobra da infância cabe em uma pequena caixa rosa. Mas a caixa rosa é também o que me falta. A caixa é preenchida por saudade, de uma saudade que tem cor. 

Rosa. 



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Ventos

O mundo é feito de ventos
Vento que bate na minha e na sua cara
Que de caras em caras
Há de fazer com que nos encontremos
Nas curvas, daqui ou acolá

Caminho

Paguei passagem e fui
naveguei
nadei
caminhei
caminhei
caminhei
pro nada
não achei o fim
nem o começo
fui obrigada a voltar
e no caminho
pensando
melhor mesmo foi ter ido
do que ter ficado
pra ficar com a lembrança
doce ou amarga
e rápida
daquilo que fora vivido
já esquecido

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Saudade

Clandestina que vem não se sabe porquê, não se sabe como.
Chega de malas prontas, domina o espaço, faz morada.
Aventureira de muitos lares, de muitos amantes.

É serena e densa.
Na brisa ou tempestade.
De domingo a feriado.
Jovem anciã sem idade.

Saudade é deixar estar. É tato. Saudade toca no passado.
Saudada é ver, e querer, o que não se tem. É ouvir a vida uivar, lá de trás.
Saudade tem o gosto quente do que já foi e do que ainda não é.

A boca bebeu da saudade, e a saudade a beijou.





domingo, 2 de setembro de 2012

Dia

Mergulhada nos versos do poeta
na sua prosa melancólica
ora dramática, ora nostálgica
as poucas horas da madrugada escorreram

Os pingos de cor do amanhecer
perfuraram os buracos da janela
O pássaro cantou
O sino da igreja tocou

As pálpebras deitaram preguiçosamente
não era sono,
mas, contemplação.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Os cabelos lisos que eu nunca tive


Lembro-me de um episódio de quando a minha mãe era viva e eu ainda recebia conselhos a beira da cama. Eu tinha por volta dos 10 anos de idade, já era noite naquele dia. Foi, talvez, o choro mais memorável da minha vida.

Pode parecer absurdo, mas eu chorava porque tinha cabelos cacheados. Chorava porque os odiava. Chorava porque não queria tê-los.  E não era um choro qualquer. Eram lágrimas torrenciais. Lágrimas que pesavam, molhavam feito garoa e inundavam como tempestade. Elas saltavam dos meus pequenos olhos castanhos, ardentes, para percorrerem a maçã e a bochecha e então, libertas, pingarem num canto qualquer da roupa - se antes disso os finos dedos da minha mãe não as enxugasse e as roubasse do meu rosto quente.

Era um choro de bebê quando a mãe esconde a chupeta, de adolescente quando está apaixonado, de adulto quando está arrependido e de velho quando não quer mais ser velho.

Minha mãe não sabia muito o que dizer. Ah! Seus cabelos eram lisos! Os mais lisos que eu conhecia. Eram lisos e lindos! De um liso que brilhava, mas brilhava tanto, que me cegava de amor. Ela sim, tinha os cabelos que eu queria ter. Eu queria a lisura de minha mãe. Mas, incrivelmente, ao invés de culpá-la por isso, eu a endeusava ainda mais, a amava ainda mais. Ela era o que eu queria ser e não era.

Minha atividade mais prazerosa era pentear os cabelos negros, lisos e lindos da dona Marta. O pente corria, descia e subia, sem nenhum grunhido - os meus não. Os acariciava como se fossem meus - só meus - tão mais meus do que dela. 

Eu dizia:

- Mãe, vamos trocar de cabelo? Dou-te os meus e fico com os seus.

Ela, com voz de mulher grande e delicada, respondia:

- Claro que eu trocaria. Seus cabelos são lindos. Por que não fica você com eles?

Não. Eu não queria ficar com eles. O fato é que eu sentia raiva, não exatamente das minhas madeixas onduladas, mas de todos os outros cabelos lisos de meninas que não eram eu. Elas desfilavam com aqueles rabões de cavalo, esvoaçantes. Não. Não era inveja - ou até seria...  Isso me corroía. Eu me sentia feia.

As mãos da minha mãe, as únicas e inesquecíveis mãos, andavam por mim e me consolavam naquela noite de choro. Aquelas mesmas mãos que me faziam dormir, apalpando os cabelos que eu odiava. Mãos que me faziam ser criança - para sempre.

Ela me tocava dizendo que eu era especial. Dos seus lábios eu ouvia que se um pequenino detalhe meu fosse arrancado ela iria reclamar com Deus. A menina dos cabelos feios fora o melhor presente dela. A menina dos cabelos feios não devia chorar porque era perfeita, dizia.

Não sei como aconteceu. No dia seguinte tudo estava esquecido.  Os anos se passaram e cá estou eu com meus cabelos enrolados. Mas, se hoje eu fosse chorar por algo, choraria pelos cabelos lisos que tive, mas que estavam colados em outra cabeça. 

Choraria pelos cabelos de minha mãe. 
Choraria por cada longo e fino fio deles. 
Choraria porque, agora, eles não existem mais.



sábado, 21 de julho de 2012

O look


No trem, hoje, me deparo com uma figura um tanto que inusitada. Um senhor, que aparentava seus lá 70 anos, mas que transmitia uma juventude que, talvez, nem eu nunca tive. Com um boné vermelho estilo 'New Era' da Oakley, colocado pouco acima das arelhas, deixando aparecer as grandes sobrancelhas brancas, estava ele encostado em umas das portas, no melhor trejeito hip-hop de ser. 


Usava uma camiseta listrada, ora azul claro, ora vinho, de gola, com os dois botões abotoados. A segunda camada trazia uma blusa de manga comprida da Nike, Adidas, ou algo do tipo. Era branca de listras pretas, que percorriam os braços. As mãos estavam nos bolsos das calças. E as calças eram largas, com uma estampa de um desenho colorido à la 'vida loka'. Havia também um molho de chaves pendurado, do lado esquerdo. Ah, e o tênis, claro! Uma chuteira supimpa. 

Num dado momento o telefone toca. O velho retira dos bolsos um retângulo preto dos mais modernos. De Tela Touch, com TV Digital, Wi-Fi, Bluetooth, 4 Chips e com tudo o mais! E ainda, tinha uns adesivos do Corinthians, pra completar o visual.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Amigos


Hoje é 20 de julho e dizem por aí que é dia do amigo. Dizem também que foi um argentino quem criou esta data devido à chegada do homem à lua, em 20 de julho de 1969, com o argumento de que este é “um feito que demonstra que se o homem se unir com seus semelhantes, não há objetivos impossíveis”. Verdade ou não, é uma data que nos faz pensar na distância dos próximos e na proximidade dos distantes, dos amigos que pisaram e marcaram nossas vidas, tal como o astronauta que fixou sua pegada na lua.

De acordo com o poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare, nossos círculos de amigos são formados por pessoas das quais elegemos a companhia. “Bons amigos são a família que nos permitiram escolher”, afirmou.  Mas, nem sempre podemos escolher os amigos. Há pessoas que surgem em nossas vidas de maneiras tão peculiares e, de súbito, tornam-se especiais. Mesmo que não tenhamos nada em comum, a diversidade deixa a amizade mais completa, mais divertida, mais gostosa. As contradições só se contradizem porque o que é contradito conversa entre si. Quem disse que temos que ter os mesmos gostos ou costumes que os nossos amigos?

Aliás, quem é que não tem aquele amigo chato, mala? Sobre isso, o poeta e jornalista brasileiro Mário Quintana diz que “há duas espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são os nossos chatos prediletos”. Porque os chatos são amáveis.

Há quem diga que amigos verdadeiros são joias raras, difíceis de encontrar, são tesouros de valor inestimável. “Todas as riquezas do mundo não valem um bom amigo” disse Voltaire, escritor e filósofo francês. Isso é incrível, pois por diversas vezes são em momentos singelos que se constroem laços intensos, significativas de amizade, os quais nos remetem às lembranças mais profundas e expressivas, mesmo que pontuais.  “Não é amigo aquele que alardeia a amizade: é traficante; a amizade sente-se, não se diz”, completou Machado de Assis, ilustre autor brasileiro. Porque o puro e simples também é raro.

Para o filósofo Immanuel Kant, a amizade é efêmera, instável. “A amizade é semelhante a um bom café; uma vez frio, não se aquece sem perder bastante do primeiro sabor”, apontou. Amigos têm crises, haverá brigas. É natural. Porém, amigo também perdoa. “Pode ser que um dia deixemos de nos falar... Mas, enquanto houver amizade, faremos as pazes de novo”, sobrepôs o físico Albert Einstein.

A amizade é um meio de nos isolarmos das tristezas e cultivarmos algumas alegrias, é um consolo, quase uma necessidade. “A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas”, redarguiu Carlos Drummond de Andrade, cronista e poeta. Talvez seja mesmo um isolamento, mas uma espécie de isolamento conjunto. Há pessoas que fazem dos livros, da natureza, os seus melhores amigos. A solidão nunca é, de fato, sozinha.

“A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro”, narrou Platão, filósofo e matemático grego. É bem aquela coisa de ser responsável por aquilo que cativas e tal. É depender da felicidade do outro, pra projetar a própria. Assim como cantou Legião Urbana, na música “Comédia Romântica”: “Eu não preciso de modelos, não preciso de heróis, eu tenho meus amigos.”

Agora, amigo que é amigo, compartilha não só os instantes de alegria, mas divide as angústias, os erros, os medos... Amigo que é amigo reconhece a alma do outro.

“Um amigo me chamou pra cuidar da dor dele, guardei a minha no bolso. E fui”, finalizou a escritora e jornalista brasileira, Clarice Lispector.








Dedico este texto aos meus queridos amigos, àqueles que de alguma forma contribuem para a minha felicidade e dão à minha vida cinzenta um toque a mais de cor. Obrigada. 

terça-feira, 17 de julho de 2012

Diferente


Saio eu pra tomar o trem de manhã - atrasada - em direção ao metrô República. Tudo isso, depois de trocentas baldeações e, claro, se tudo ocorrer bem e a composição não parar no meio do caminho alegando aguardar movimentação do trem a frente. Em Guaianases, desço. Daí, fui direto a outra plataforma, e fiquei a espreita da chegada do trem. 


Uma senhora cutuca o meu braço e pergunta se é ali onde se espera para ir até a Luz. Respondo que sim. Simpática como só ela, começou a tagarelar dizendo que a estação estava muito melhor do que no tempo em que vivia lá. Há 10 anos. Aproveitei a ânsia dela em querer papear e perguntei onde morava. Espírito Santo. Lá não tem trem, as pessoas só andam de ônibus. Ao lado dela, um senhor, seu esposo. Caladão. Mas, os olhos brilhavam. Eu, já angustiada para que o trem chegasse logo; ele, vislumbrado com as enormes pilastras e arquitetura da estação. Ela então disse: "É a primeira vez que ele anda de trem." 


Quando o trem chegou, notava-se o desespero dele e a vontade dela em liderar. Arrastado pelo braço, aquele senhor, naquele momento, fazia algo pela primeira vez em sua vida. Fui para o cantinho, perto da porta, eles me acompanharam. Conversei com ela sobre algumas coisas. Ele divagava. A infinidade de prédios passava através do vidro riscado do trem, ele não piscava. Até que soltou: “Aqui tudo é diferente.” 


Também comecei a prestar atenção nos prédios, e a pensar em um lugar onde eles não existissem. E, realmente, eles eram diferentes, partindo desse ponto. Diferente porque eu não os via, e vendo, me surpreendia. E então, aqueles dois idosos, com toda a ingenuidade, me ensinaram um exercício pra vida: olhar como se nunca teve; amar como se tivesse visto pela primeira vez. 

Pulo no Brás e me despeço. Diferente. 


Tamiris Gomes


terça-feira, 26 de junho de 2012

Viagem

Peguei o ônibus do absurdo e voltei ao passado. 
Disseram-me que ele era mais bonito, que tinha mais flores no bosque. 
Lá, a primavera era mais florida, o inverno era menos frio, o céu mais azul, a grama mais verde.  Disseram-me que eu sorria com mais frequência, que meus olhos brilhavam furtivamente, meu toque era mais macio, meu coração palpitava acelerado, minha alma era mais leve, minha alegria mais pesada. 


Desci no ponto da indiferença, e vi você passar pela rua da sensibilidade, esquina com a paciência. Eu percorri a dúvida e te encontrei caminhando pela tolerância. 
Mas, em passos rápidos e precisos você virou na lembrança.
Eu te perdi de vista, segui em frente pela esperança. 
Passei pela praça da compaixão, cruzei a solidão, atravessei a retidão, passei pelo farol e te vi me olhar da viela do perdão. 


Seus olhos desviaram, seus braços amoleceram, seu corpo declinava devagar, segundo a segundo, seu pescoço fazia a curva, os membros iam junto, vi o seu ombro passar por mim, depois vi as costas, depois não vi nada. Você sumiu na multidão.


Deparei-me que estava na alameda da incerteza, fui até a tristeza, e andei, a passos largos e efusivos, sem direção. Percebi que cheguei na saudade, me perdi, e não sabia mais voltar. 


Tamiris Gomes

sábado, 21 de abril de 2012

Nomes


Muito provavelmente você nunca ouviu falar na dona Ceiça. Ela tem por volta dos 50 anos, morena, baiana, mora na zona leste de São Paulo e vende trufas deliciosas em frente uma universidade, também localizada nessa região. Dona Ceiça tinha uma filha que morreu antes de atingir a adolescência. Mas o passado de lembranças amargas não tirou o seu belo sorriso. A vida a apunhalou, porém, não lhe roubou a ternura. 

E também o seu José, que vende cachorro quente e mais um monte de guloseimas num carrinho de lanches no centro de uma cidade, na Grande São Paulo. Seu José trabalha mais de 12 horas por dia e faz um sanduíche que você come em menos de 20 minutos e paga uns poucos trocados. Há mais de 30 anos, por falta de opção, seu José atua ali. É quase uma vida. 

Lúcia, Gertrudes, Fábia, Manoel, Laerte, Jorge, João, Felipe, Romualdo, Karina, Joana, Helena, Ronaldo, Celina, Cecília, Jonas, Gleice, Mirtes, Josias, Wendel... 

Puxa, você também não deve conhecer a dona Josefa! Viúva, mãe de três filhos crescidos, casados, preocupados com o trabalho e as finanças... Dona Josefa caminha todos os dias de manhã, faz hidroginástica e claro, tricota à beça com as comadres durante os exercícios de aeróbica com o professor japonês, o Carlos.  Ela tem mais disposição que muito jovenzinho por aí. 

Você sabe do Alfredo? Alfredo é um morador de rua. Tem barba branca, usa uma jaqueta abotoada, uma calça moleton e um chinelo havaianas branco, de fivela azul claro. Alfredo domina o inglês, adora ler e é engajado em causas sociais - aliás, ainda lhe devo um café. Conheci Alfredo durante os movimentos do “Acampa Sampa”, no começo deste ano. Nessa época, sua "casa" era a Praça do Ciclista, na Paulista.

Maria, Antônio, Fátima, Armando, Ana, Paulo, Márcia, Carla, Patrícia, Bruna, Fernando, Anderson, Cleiton, Cláudio, Pedro, Almiro, Valdir...

Tenho certeza que jamais ouvir falar na dona Rita. Ela vivia sozinha numa casa de dois cômodos em um bairro de uma cidade da Grande São Paulo. Dona Rita nunca foi ao médico, ela fazia seus próprios remédios. Não tinha televisão, só um rádio de pilha dos ano 90. Ela andava com um véu branco, que escondia os seus cabelos prateados. Quando viajou pela primeira vez de avião rumo a Pernambuco, terra de sua família, morreu assim que chegou lá. 

Ou Geraldo, usuário de crack. Geraldo já foi empresário, talvez rico. Gastava uma fortuna com drogas. Vive nas ruas de São Paulo, sob o olhar do preconceito. Tem vergonha de voltar para sua família, mas tem família. Tem vergonha de si mesmo. Tem vergonha da vergonha que sentem dele. Geraldo é vítima, e não vilão.

Ivan, Carlos, Santos, Sidney, Charlene, Marlene, Cássia, Roberta, Rosana, Palmira, Vagner, Sandra, Marta, Ricardo, Marcos, Genilson, Kleber...

... eu e você.  









quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Jornalismo?


A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano...” e caramba, Mario Quintana, já é fevereiro de 2012!

Embora o ano ainda esteja engatinhando, ele já me deu muitas alegrias, presenteando-me com um estágio no portal IMPRENSA, com a continuação no Blog Mural, com o início do curso “Repórter do Futuro”... Parece que tudo se encaminha bem. 

Mas, uma pergunta simples, feita recentemente por um professor, muito me intrigou. - Por que você faz jornalismo?

...


- “Porque eu gosto de escrever.” (sim, talvez, sempre tive boas notas em redações, resenhas, só que no meu caso, eu passei a gostar de escrever , de verdade, depois que comecei o curso e vi que o negócio era bacana)

- “Porque minha mãe mandou.” (não, minha mãe, que é uma estrela, nunca me disse qual profissão eu deveria seguir, porém, dona Marta me incentivava a estudar e dizia que eu não seria ninguém se não soubesse ler e fazer uma conta matemática)

- “Desde pequena eu queria ser.” (não, eu queria ser veterinária, mas esse sonho findou quando fiz 15 anos)

- “Porque eu sempre lia/via/ouvia jornal.” (até minha adolescência Bonner e Fátima eram os únicos jornalistas da face da Terra. Eu lia bastante revista, a Capricho, Recreio... Não lia jornal, fui ler depois de grande. Pra mim, jornal era coisa de gente inteligente, culta. Segurar aquelas folhas de papel, manejá-las, é arte, status. Já quando comecei a ouvir rádios jornalísticas curti bastante, elas tiveram um up de um tempo pra cá)

- E um monte de enrola-enrola e frases prontas.

Conclui que eu não tenho uma história bonita pra dizer o porque escolhi ser jornalista. Confesso que meu caso de amor com o jornalismo é um clichê barato: à primeira vista, mesmo!

Depois de quase ter se matriculado no curso de Turismo, ter assistido uma aula de Psicologia, frequentar por seis meses classes de Filosofia – todos em universidades diferentes -, o Jornalismo foi/é a maior das certezas.

Entrei numa sala de aula com pouco menos de trinta pessoas, todas com os olhos cheios de expectativas, e lá, na lousa, uma professora com um sorriso largo, dizendo que jornalismo era a melhor profissão do mundo.


O jornalista "conversa" com gente que ele não conhece. Gente diferente, gente de todo canto do mundo, mas que, no momento em que leem/veem/ouvem uma matéria partilham do mesmo sentimento. 

Penso que de “jornalista” todos temos um pouquinho. Quando contamos e reproduzimos uma história, como quando acontece um barulho diferente na rua, a gente vai ver ou quando a conta de luz vem mais alta, a gente quer saber o porquê, e até quando troca aquela fofoca com a vizinha, pra se informar do que rola no bairro.

No meu caso, esse “pouquinho” virou um “poucão” e de pouquinho em pouquinho vou me tornando aquilo que, de fato, eu nunca quis ser, mas que num minuto da vida se transformou na única coisa em que me projeto: ser jornalista, do tipo JORNALISTA.

...



“[...] Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.

Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas... [...].




quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Tensão e violência no México


Dados da Campanha Emblema de Imprensa (PEC, em inglês) revelam que em 2011 o México foi considerado pelo segundo ano consecutivo o país mais perigoso para se exercer a profissão de jornalista. Estima-se em 12 o número de jornalistas assassinados, com exceção dos desaparecidos. Tal fato culminou em 2006, no início do mandato de Felipe Calderón, quando este instituiu tropas do Exército para combater o narcotráfico. Desde então jornalistas mexicanos têm sofrido ameaças de grupos narcoguerrilheiros e vivem sob o impasse do crime organizado e do Estado, pois ambos os veem como inimigos e força contrária aos seus interesses, o que impede a livre expressão da imprensa, como também viola o direito à informação.

Aqueles ataques em que a vitima é um jornalista, em minha opinião, podem e devem ser considerados crimes federais”, disse o presidente Felipe Calderón, em discurso em dezembro de 2011. Segundo informe público da Comissão Nacional dos Direitos Humanos do México (CNDH), medidas para a inibição destes atos de violência já foram solicitadas e a responsabilidade de proteção aos jornalistas é do governo, “é indispensável que as autoridades competentes empreendam ações necessárias e contundentes que possam garantir condições de segurança e prevenção suficientes para o desempenho destes profissionais e que implementem  políticas públicas a respeito."


 Omar Torres/AFP/Imagens Getty





Site da CNDH: http://www.cndh.org.mx/

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Um caso na Cracolândia


Na madrugada de um sábado tive a experiência de ir à Cracolândia. Estávamos próximo da estação de trem Júlio Prestes e ali decidimos descer do carro para conversar com aquelas pessoas, invisíveis para a sociedade, ou visíveis negativamente. O intuito desta nossa "aventura" era parte integrante de um trabalho acadêmico. Precisávamos de um depoimento com declarações sobre os efeitos destruidores da droga, do vício, afins. Ao chegarmos, fomos bem recebidos. Conversaram conosco, respondiam toda e qualquer pergunta, mas não permitiam ser gravados. De forma alguma queriam ser gravados, nem em vídeo ou áudio. Relatavam que a imprensa é "deturpadora" e o medo deles é que isso fosse parar na internet, na TV. Alegavam que tinham família e não queriam ser expostos desta maneira. 

Ivan, usuário de crack, alto, moreno e de bigode, foi um dos que armou a conversa com os demais colegas. Expressava-se bem, era articulador, esperto e sempre que ia fumar se afastava de onde estávamos. Ali, falamos também com o Marcelo, usuário de crack, moreno e magro, que ficou o tempo todo sentado. Marcelo diz que era designer gráfico, morava no Rio de Janeiro e que possuía vários imóveis em São Paulo. "Cheguei a gastar R$ 40 mil em drogas em 15 dias", diz. 

Antônio, usuário de crack, já trabalhou como fresador, moreno claro, de barba, calmo - o que menos falava. Ele nos contou que tentou parar de usar drogas cinco vezes e não conseguiu. Antônio diz que sua família o ajuda eventualmente. "Estou há duas semanas sem tomar banho", confessa.  Alex, também usuário de crack, negro, jovem, diz que não sabia ler, mas que fazia tudo quanto era trabalho artesanal. Era aparentemente o mais alucinado, se movimentava demais, ia até nós e depois voltava para onde estava mas, queria estar envolvido e participar da roda.

Durante 1 hora ficamos ali, tirando as nossas dúvidas enquanto jornalistas e também pessoas, porque é impossível não se comover. Nos contaram que quando aparece uma criança na esquina, gritam "anjo" e todos param de fumar, por questão de "ética". Mas ética em um lugar como aquele? Pois é. O mesmo acontece quando precisam "utilizar o banheiro", é desrespeitoso fazer as necessidades à vista de todos, principalmente mulheres. Disseram que há um compartilhamento de comida, que ninguém passa fome.

Depois de tudo, quando estávamos para ir embora, o Ivan disse que deveríamos pagá-los pela "entrevista" - entrevista essa que não havia sido gravada. Foi esse o momento mais tenso. Formou-se um círculo e começaram a discutir entre eles, uns queriam aliviar a barra para nós, outros diziam que deveríamos pagar. Uma das pessoas que nos acompanhava na empreitada sacou R$ 30 da carteira. Alex não esperou o veredito final, pegou o dinheiro e saiu, sem dizer que ia dividir com os outros. Ivan se irritou, nos acompanhou até o carro e disse que deveríamos dar mais dinheiro para ele, pois se ele voltasse sem nada ele ia se "ferrar", em todos os sentidos. Tínhamos mais R$ 30 no carro. Nessa confusão, Ivan permitiu que o gravássemos dando um depoimento. Foram mais ou menos 20 minutos de vídeo. Nos agradeceu - irônico -, pegou seus "trintão" e foi.



Na estrada de volta para casa, vento nos cabelos ao som de um rock clássico, pensei em tudo o que havia acontecido. Termino com algumas palavras de Ivan: “vocês ganharam uma experiência, foram corajosos.


Talvez Ivan esteja certo. Mas não me sinto corajosa, apenas mais humana. 

PS: Perdi minha câmera nesse dia e até hoje não revi o depoimento que gravei do Ivan. Perdeu-se. 


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A lágrima


Ontem pela noite, em uma das poucas vezes que consigo assistir TV (digo assistir mesmo), passo por um determinado canal e vejo uma matéria sobre o caso da menina Lavínia. Não me interessa se fulana era amante do pai, do tio, de sei lá quem e nem tão pouco os 'por ques' e 'porques' da mídia e da sociedade, o que sei é que uma criança, um ser sem mácula, puro e de feições angelicais pagou um preço o qual não deveria.

Ao olhar aquelas cenas, o drama da família, o fitar cansado de olhos que tanto já choraram bastou, para que uma lágrima saltasse e rolasse sobre meu rosto. Posso dizer que tenho facilidade em me emocionar, coisas simples me fazem fantasiar, mas essa lágrima significou muito. Foi uma lágrima de compaixão.

Pergunto-me, até quando o ser humano vai matar a si mesmo? Até quando vai preferir dinheiro a dignidade? Optar por drogas em vez de felicidade? Corrupção ou honestidade? E não se compadecer.

Enxugo a lágrima. Desligo a TV.

Desligo.



*Texto postado em 04/03/2011 em um blog meu que não existe mais. Para quem não se recorda da notícia descrita acima clique aqui.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Sai ano, entra ano


Eu poderia escrever aqui tudo de bom e ruim que me aconteceu nesse ano que passou. Descreveria com alegria os momentos inesquecíveis e as pessoas especiais que conheci. Falaria das frustrações que me atormentaram e finalizaria com uma palavra esperançosa e de consolo. Desejaria um feliz 2012 para todos e continuaria com a minha hipocrisia.

Sabe o que de mais importante eu fiz em 2011? - Vivi. Vivi na faculdade, vivi no trabalho, vivi no amor, vivi na família, vivi na igreja... Vivi e não me arrependo. Se por ventura vivi errado, a vida há de me dizer, se vivi certo, ela há de me recompensar.

Um ano sai e o outro entra como sempre ocorre desde quando me entendo por gente. Aí, o povo solta rojão e fogos de artifício para celebrar a chegada do ano novo, mas para mim deveríamos comemorar era o fim, não o começo.  Alegrarmos-nos pelo fim de mais uma etapa cumprida, pelo fim de uma fase de nossa vida, pelo fim de uma era que foi consumada...

Não passe a vida contando os dias, faça planos para amanhã ou para agora se possível. Não dispense convite de amigos, saia na chuva, faça aquilo que jamais acreditariam que você faria, faça aquilo que você jamais acreditaria que faria.

Em uma conversa com um amigo, ele me disse que certa vez um professor lhe disse: “Qual é a prova que você existe?” e ele prontamente respondeu: “Porque os outros me veem, porque eu converso com as pessoas...” e o professor não satisfeito continuou: “E se não existisse ninguém no mundo, como você provaria que você existe?” Meu amigo não soube responder.

Essa pergunta ficou latejando na minha cabeça. Qual é a prova que eu existo? Eu não sei. Também sugiro que você lhe faça a mesma pergunta.

Agora é a vez de 2012. Ele chegou com 366 dias todos feitos para você. Viva-o e se prove.