sábado, 21 de julho de 2012

O look


No trem, hoje, me deparo com uma figura um tanto que inusitada. Um senhor, que aparentava seus lá 70 anos, mas que transmitia uma juventude que, talvez, nem eu nunca tive. Com um boné vermelho estilo 'New Era' da Oakley, colocado pouco acima das arelhas, deixando aparecer as grandes sobrancelhas brancas, estava ele encostado em umas das portas, no melhor trejeito hip-hop de ser. 


Usava uma camiseta listrada, ora azul claro, ora vinho, de gola, com os dois botões abotoados. A segunda camada trazia uma blusa de manga comprida da Nike, Adidas, ou algo do tipo. Era branca de listras pretas, que percorriam os braços. As mãos estavam nos bolsos das calças. E as calças eram largas, com uma estampa de um desenho colorido à la 'vida loka'. Havia também um molho de chaves pendurado, do lado esquerdo. Ah, e o tênis, claro! Uma chuteira supimpa. 

Num dado momento o telefone toca. O velho retira dos bolsos um retângulo preto dos mais modernos. De Tela Touch, com TV Digital, Wi-Fi, Bluetooth, 4 Chips e com tudo o mais! E ainda, tinha uns adesivos do Corinthians, pra completar o visual.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Amigos


Hoje é 20 de julho e dizem por aí que é dia do amigo. Dizem também que foi um argentino quem criou esta data devido à chegada do homem à lua, em 20 de julho de 1969, com o argumento de que este é “um feito que demonstra que se o homem se unir com seus semelhantes, não há objetivos impossíveis”. Verdade ou não, é uma data que nos faz pensar na distância dos próximos e na proximidade dos distantes, dos amigos que pisaram e marcaram nossas vidas, tal como o astronauta que fixou sua pegada na lua.

De acordo com o poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare, nossos círculos de amigos são formados por pessoas das quais elegemos a companhia. “Bons amigos são a família que nos permitiram escolher”, afirmou.  Mas, nem sempre podemos escolher os amigos. Há pessoas que surgem em nossas vidas de maneiras tão peculiares e, de súbito, tornam-se especiais. Mesmo que não tenhamos nada em comum, a diversidade deixa a amizade mais completa, mais divertida, mais gostosa. As contradições só se contradizem porque o que é contradito conversa entre si. Quem disse que temos que ter os mesmos gostos ou costumes que os nossos amigos?

Aliás, quem é que não tem aquele amigo chato, mala? Sobre isso, o poeta e jornalista brasileiro Mário Quintana diz que “há duas espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são os nossos chatos prediletos”. Porque os chatos são amáveis.

Há quem diga que amigos verdadeiros são joias raras, difíceis de encontrar, são tesouros de valor inestimável. “Todas as riquezas do mundo não valem um bom amigo” disse Voltaire, escritor e filósofo francês. Isso é incrível, pois por diversas vezes são em momentos singelos que se constroem laços intensos, significativas de amizade, os quais nos remetem às lembranças mais profundas e expressivas, mesmo que pontuais.  “Não é amigo aquele que alardeia a amizade: é traficante; a amizade sente-se, não se diz”, completou Machado de Assis, ilustre autor brasileiro. Porque o puro e simples também é raro.

Para o filósofo Immanuel Kant, a amizade é efêmera, instável. “A amizade é semelhante a um bom café; uma vez frio, não se aquece sem perder bastante do primeiro sabor”, apontou. Amigos têm crises, haverá brigas. É natural. Porém, amigo também perdoa. “Pode ser que um dia deixemos de nos falar... Mas, enquanto houver amizade, faremos as pazes de novo”, sobrepôs o físico Albert Einstein.

A amizade é um meio de nos isolarmos das tristezas e cultivarmos algumas alegrias, é um consolo, quase uma necessidade. “A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas”, redarguiu Carlos Drummond de Andrade, cronista e poeta. Talvez seja mesmo um isolamento, mas uma espécie de isolamento conjunto. Há pessoas que fazem dos livros, da natureza, os seus melhores amigos. A solidão nunca é, de fato, sozinha.

“A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro”, narrou Platão, filósofo e matemático grego. É bem aquela coisa de ser responsável por aquilo que cativas e tal. É depender da felicidade do outro, pra projetar a própria. Assim como cantou Legião Urbana, na música “Comédia Romântica”: “Eu não preciso de modelos, não preciso de heróis, eu tenho meus amigos.”

Agora, amigo que é amigo, compartilha não só os instantes de alegria, mas divide as angústias, os erros, os medos... Amigo que é amigo reconhece a alma do outro.

“Um amigo me chamou pra cuidar da dor dele, guardei a minha no bolso. E fui”, finalizou a escritora e jornalista brasileira, Clarice Lispector.








Dedico este texto aos meus queridos amigos, àqueles que de alguma forma contribuem para a minha felicidade e dão à minha vida cinzenta um toque a mais de cor. Obrigada. 

terça-feira, 17 de julho de 2012

Diferente


Saio eu pra tomar o trem de manhã - atrasada - em direção ao metrô República. Tudo isso, depois de trocentas baldeações e, claro, se tudo ocorrer bem e a composição não parar no meio do caminho alegando aguardar movimentação do trem a frente. Em Guaianases, desço. Daí, fui direto a outra plataforma, e fiquei a espreita da chegada do trem. 


Uma senhora cutuca o meu braço e pergunta se é ali onde se espera para ir até a Luz. Respondo que sim. Simpática como só ela, começou a tagarelar dizendo que a estação estava muito melhor do que no tempo em que vivia lá. Há 10 anos. Aproveitei a ânsia dela em querer papear e perguntei onde morava. Espírito Santo. Lá não tem trem, as pessoas só andam de ônibus. Ao lado dela, um senhor, seu esposo. Caladão. Mas, os olhos brilhavam. Eu, já angustiada para que o trem chegasse logo; ele, vislumbrado com as enormes pilastras e arquitetura da estação. Ela então disse: "É a primeira vez que ele anda de trem." 


Quando o trem chegou, notava-se o desespero dele e a vontade dela em liderar. Arrastado pelo braço, aquele senhor, naquele momento, fazia algo pela primeira vez em sua vida. Fui para o cantinho, perto da porta, eles me acompanharam. Conversei com ela sobre algumas coisas. Ele divagava. A infinidade de prédios passava através do vidro riscado do trem, ele não piscava. Até que soltou: “Aqui tudo é diferente.” 


Também comecei a prestar atenção nos prédios, e a pensar em um lugar onde eles não existissem. E, realmente, eles eram diferentes, partindo desse ponto. Diferente porque eu não os via, e vendo, me surpreendia. E então, aqueles dois idosos, com toda a ingenuidade, me ensinaram um exercício pra vida: olhar como se nunca teve; amar como se tivesse visto pela primeira vez. 

Pulo no Brás e me despeço. Diferente. 


Tamiris Gomes