sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O exército e a estranha

Eu voltava pela rua. Pela mesma rua que passo todos os dias, mas não no mesmo horário. Passo pelo posto de gasolina, pelo, bar, pela igreja... E é perto da igreja, que, a minha frente, vejo um casal de evangélicos caminhar, com duas meninas. Aliás, não lembro se era uma menina e um menino, na verdade. O homem era negro e levava um paletó cinza, visivelmente de um número bem maior do que o do seu manequim, com uma camisa preta e uma gravata branca. Como disse, nos filhos não reparei e da mulher, só me recordo do rosdo e parte do casaco, bege. Recordo do rosto, mais precisamente dos olhos. Eu, com meus fones de ouvido, ando cantoralando, enquanto aquela espécie de exército em quarteto vinha em minha direção. Os passos deles eram sincronizados e bruscos. Pareciam soldados. A luz da lâmpada amarela brilhava atrás e as sombras chegavam antes. Então, o momento. Sabe como nos filmes, a câmera fica lenta e cria-se aquela tensão entre as pessoas que se cruzam? Foi assim, quando eles passaram por mim. Mas o mais curioso é que aquela mulher me olhava. Diferente. Eu me espantei porque a gente se acostuma a não ser notado, a passar sempre despercebido. Ela reparou em mim, talvez pela minha blusa verde chamativa ou pelo meu cabelo desarrumado. Não. Ela reparou em mim, e eu, sei lá, me senti estranha, num lugar que, aparetemente, eu dominava, conhecia, fazia parte. Lógico, eu passo sempre lá, a rua era minha. Quem era aquele povo? Parecia estar numa terra estranha. Tornei-me aquela pessoa que chega de longe e é visto aos olhares críticos. Boa, má. Mas aquela mulher de bege, negra, de olhos negros, me olhava. Tudo bem, não era um olhar de repulsa. Era um olhar de quem queria dizer algo. Bom, ruim. Daí o clímax ficou ainda mais atenuado quando notei que a música soando nos fones de ouvido chamava-se "Strangeland". Trilha sonora perfeita para a cena que acabara de ocorrer. E eu a olhei também, porque nao queria ser a única estranha ali. 


Strangeland blind,
You got no reason, you got no rhyme,
You get no time to put things right,
To put things right.



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