sexta-feira, 6 de setembro de 2013

14/08/1966

Nascia a mulher que me faria nascer 24 anos mais tarde e que, aos 36 anos, morreria por complicações no coração. Tinha uma cicatriz no peito. Digo que foi porque nos amava demais e que tinha um coração tão grande que não cabia em si. Ela acenava para mim da janela do hospital, bem alto, e a partir daí acenaríamos uma para outra de distâncias cada vez maiores. Hoje, se viva, estaria com seus 47 anos. A pele branca já estaria um pouco enrugada. Haveriam tímidos riscos brancos no mar de fios lisos e negros de sua cabeça. Os cabelos estariam na altura dos ombros, com uma franja, talvez, que cairia sobre seus olhos quando movimentasse a cabeça. E eu os pentearia, como sempre quis. Não usaria sapatos de salto alto, até porque nunca gostou, e vestiria sobretudos em dias de frio, porque sempre a elogiavam quando os vestia. No calor usaria saias longas de pano molinho com estampas coloridas e calças largas e blusas elegantes, porque sempre teve bom gosto e fazia ótimas combinações. Continuaria trabalhando numa loja de roupas de festas, ou já seria a gerente, ou já teria montado seu próprio negócio e seria uma patroa legal com as funcionárias. Brigaria comigo por ficar tempo demais na internet, por não comer direito e por recusar beterraba. Compraria o jornal quando saísse matéria minha, mesmo que no início tenha relutado quanto à minha intenção de ser um dia jornalista, mas como sempre me apoiaria. Ela teria um Facebook, certeza, pois era popular entre as amigas e gostava de papear e curtiria os meus posts chatos sobre os trens. Teria um celular desses mais tecnológicos e me ligaria todos os dias, mas ainda assim me esperaria chegar da faculdade e me daria um beijo e diria boa noite e só assim dormiria.

E eu a amaria, como sempre, eu a amaria.

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