Nascia a mulher que me faria nascer 24 anos mais tarde e que, aos 36
anos, morreria por complicações no coração. Tinha uma cicatriz no peito.
Digo que foi porque nos amava demais e que tinha um coração tão grande
que não cabia em si. Ela acenava para mim da janela do hospital, bem
alto, e a partir daí acenaríamos uma para outra de distâncias cada vez
maiores. Hoje, se viva, estaria com seus
47 anos. A pele branca já estaria um pouco enrugada. Haveriam tímidos
riscos brancos no mar de fios lisos e negros de sua cabeça. Os cabelos
estariam na altura dos ombros, com uma franja, talvez, que cairia sobre
seus olhos quando movimentasse a cabeça. E eu os pentearia, como sempre
quis. Não usaria sapatos de salto alto, até porque nunca gostou, e
vestiria sobretudos em dias de frio, porque sempre a elogiavam quando os
vestia. No calor usaria saias longas de pano molinho com estampas
coloridas e calças largas e blusas elegantes, porque sempre teve bom
gosto e fazia ótimas combinações. Continuaria trabalhando numa loja de
roupas de festas, ou já seria a gerente, ou já teria montado seu próprio
negócio e seria uma patroa legal com as funcionárias. Brigaria comigo
por ficar tempo demais na internet, por não comer direito e por recusar
beterraba. Compraria o jornal quando saísse matéria minha, mesmo que no
início tenha relutado quanto à minha intenção de ser um dia jornalista,
mas como sempre me apoiaria. Ela teria um Facebook, certeza, pois era
popular entre as amigas e gostava de papear e curtiria os meus posts
chatos sobre os trens. Teria um celular desses mais tecnológicos e me
ligaria todos os dias, mas ainda assim me esperaria chegar da faculdade e
me daria um beijo e diria boa noite e só assim dormiria.
E eu a amaria, como sempre, eu a amaria.
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