sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Um caso na Cracolândia


Na madrugada de um sábado tive a experiência de ir à Cracolândia. Estávamos próximo da estação de trem Júlio Prestes e ali decidimos descer do carro para conversar com aquelas pessoas, invisíveis para a sociedade, ou visíveis negativamente. O intuito desta nossa "aventura" era parte integrante de um trabalho acadêmico. Precisávamos de um depoimento com declarações sobre os efeitos destruidores da droga, do vício, afins. Ao chegarmos, fomos bem recebidos. Conversaram conosco, respondiam toda e qualquer pergunta, mas não permitiam ser gravados. De forma alguma queriam ser gravados, nem em vídeo ou áudio. Relatavam que a imprensa é "deturpadora" e o medo deles é que isso fosse parar na internet, na TV. Alegavam que tinham família e não queriam ser expostos desta maneira. 

Ivan, usuário de crack, alto, moreno e de bigode, foi um dos que armou a conversa com os demais colegas. Expressava-se bem, era articulador, esperto e sempre que ia fumar se afastava de onde estávamos. Ali, falamos também com o Marcelo, usuário de crack, moreno e magro, que ficou o tempo todo sentado. Marcelo diz que era designer gráfico, morava no Rio de Janeiro e que possuía vários imóveis em São Paulo. "Cheguei a gastar R$ 40 mil em drogas em 15 dias", diz. 

Antônio, usuário de crack, já trabalhou como fresador, moreno claro, de barba, calmo - o que menos falava. Ele nos contou que tentou parar de usar drogas cinco vezes e não conseguiu. Antônio diz que sua família o ajuda eventualmente. "Estou há duas semanas sem tomar banho", confessa.  Alex, também usuário de crack, negro, jovem, diz que não sabia ler, mas que fazia tudo quanto era trabalho artesanal. Era aparentemente o mais alucinado, se movimentava demais, ia até nós e depois voltava para onde estava mas, queria estar envolvido e participar da roda.

Durante 1 hora ficamos ali, tirando as nossas dúvidas enquanto jornalistas e também pessoas, porque é impossível não se comover. Nos contaram que quando aparece uma criança na esquina, gritam "anjo" e todos param de fumar, por questão de "ética". Mas ética em um lugar como aquele? Pois é. O mesmo acontece quando precisam "utilizar o banheiro", é desrespeitoso fazer as necessidades à vista de todos, principalmente mulheres. Disseram que há um compartilhamento de comida, que ninguém passa fome.

Depois de tudo, quando estávamos para ir embora, o Ivan disse que deveríamos pagá-los pela "entrevista" - entrevista essa que não havia sido gravada. Foi esse o momento mais tenso. Formou-se um círculo e começaram a discutir entre eles, uns queriam aliviar a barra para nós, outros diziam que deveríamos pagar. Uma das pessoas que nos acompanhava na empreitada sacou R$ 30 da carteira. Alex não esperou o veredito final, pegou o dinheiro e saiu, sem dizer que ia dividir com os outros. Ivan se irritou, nos acompanhou até o carro e disse que deveríamos dar mais dinheiro para ele, pois se ele voltasse sem nada ele ia se "ferrar", em todos os sentidos. Tínhamos mais R$ 30 no carro. Nessa confusão, Ivan permitiu que o gravássemos dando um depoimento. Foram mais ou menos 20 minutos de vídeo. Nos agradeceu - irônico -, pegou seus "trintão" e foi.



Na estrada de volta para casa, vento nos cabelos ao som de um rock clássico, pensei em tudo o que havia acontecido. Termino com algumas palavras de Ivan: “vocês ganharam uma experiência, foram corajosos.


Talvez Ivan esteja certo. Mas não me sinto corajosa, apenas mais humana. 

PS: Perdi minha câmera nesse dia e até hoje não revi o depoimento que gravei do Ivan. Perdeu-se. 


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